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Porque é que os testes de rastreio para prever lesões não funcionam - e provavelmente nunca funcionarão...: uma revisão crítica

Revisão realizada por Dr Nicol van Dyk info

PONTOS CHAVE

  1. O rastreio (ou avaliações periódicas de saúde) continua a ser importante, mas não para prever lesões.
  2. É importante diferenciar entre a previsão de lesões e a estimativa do risco - não são a mesma coisa.
  3. As lesões desportivas são fenómenos complexos, e temos de ter em conta a volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade ao implementar estratégias para minimizar o risco de lesões.

CONTEXTO E OBJETIVO

A fim de criar um programa de prevenção específico, é essencial compreender os fatores de risco e os mecanismos de lesão que desempenham um papel no aparecimento de lesões desportivas.

Continua a ser a questão elusiva que tem estado na vanguarda dos programas de rastreio a nível mundial - pode um teste fiável e válido que determine o risco de lesões e/ou doenças prever quais os atletas é que irão desenvolver uma doença, ou apresentar uma lesão? E se for identificado, podemos abordar qualquer um destes fatores de risco através de um programa de intervenção direcionado para eliminar eficazmente as lesões?

Este artigo seminal analisa se e como é que um exame de saúde periódico (PHE), para rastrear fatores de risco de lesão, pode ser utilizado para minimizar o risco de lesão.

Para criar um programa de prevenção específico, é essencial compreender os fatores de risco e os mecanismos de lesão que desempenham um papel no aparecimento de lesões desportivas.
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Não se sugere que o rastreio seja ignorado no estabelecimento do risco de lesão, mas sim aperfeiçoado na forma como poderemos abordar a nossa perceção do risco.

MÉTODOS

É útil comparar o rastreio em medicina desportiva com o rastreio de doenças gerais. Enquanto o rastreio para doenças, como o cancro da mama, envolve a deteção da doença estabelecida o mais cedo possível, o rastreio para o risco de lesões envolve geralmente a utilização de um teste de desempenho para detetar alterações que predispõem o indivíduo a lesões (por exemplo, fraqueza dos isquiotibiais). No rastreio de doenças gerais, o resultado é dicotómico (saudável/doente; sim/não). No rastreio de lesão desportiva, o resultado é geralmente contínuo, portanto, a variável contínua deve ser traduzida para um resultado dicotómico (por exemplo, em risco de lesão ou não; sim/não).

No rastreio de doenças, o objetivo é iniciar o tratamento o mais cedo possível. Na prevenção de lesões desportivas, o objetivo é uma intervenção precoce para minimizar os fatores de risco antes de ocorrer uma lesão (por exemplo, treino de força para fraqueza dos isquiotibiais). Os fatores de risco podem ser modificáveis e não modificáveis, e os testes de rastreio medem tipicamente fatores modificáveis, tais como força ou controlo. Contudo, deve notar-se que os fatores não modificáveis (tais como o género ou histórico de lesões anteriores) também podem ser utilizados para orientar as medidas de intervenção para o subgrupo que se pensa estar em risco acrescido.

RESULTADOS

Desenvolver um teste de rastreio

São propostas duas razões para se fazer investigação relativamente a fatores de risco de lesões:

  1. Para ajudar a compreender porque é que as lesões acontecem;

  2. Identificar quem está em risco de lesão.

Tipicamente, os estudos exploratórios terão uma coorte de atletas submetidos a uma série de testes durante a pré-época para identificar potenciais fatores de risco e registar quem se lesiona. Se for identificada uma associação entre um ou mais fatores e o risco de lesão, conclui-se frequentemente que estes podem ser utilizados para prever quem está em risco de se lesionar. Mas só isso não é suficiente. Quando esses resultados são utilizados para predeterminar critérios de coorte, a fim de separar atletas com alto risco de lesão, o teste deixa de prever quem se irá lesionar. Independentemente disso, os esforços para depois abordar um fator de risco modificável, para reduzir o número de lesões, falharam.

Além disso, não mencionámos a comparação de uma intervenção baseada num teste de rastreio num ensaio de controlo aleatório. Para que um teste de rastreio seja relevante, precisa de abranger a maioria dos atletas com maior risco de lesão e ser capaz de separar os atletas com baixo risco de lesão para melhorar a eficácia dos programas de intervenção. Ainda não identificámos tal teste, ou mesmo uma bateria de testes.

Propriedades do teste de rastreio

A capacidade de um teste para prever uma lesão é detetada através da determinação da sua sensibilidade (o teste identifica todas as pessoas com lesão), especificidade (identifica apenas as pessoas com lesão), valor preditivo positivo (quantos com um teste positivo são lesados) e valor preditivo negativo (quantos com um teste negativo não são lesados). No desporto, a sensibilidade e a especificidade estão inversamente relacionadas; se se quiser abranger todos os jogadores lesionados (100% de sensibilidade), a especificidade sofre (mais atletas não lesionados serão classificados como tendo alto risco). A questão crítica é onde deve ser estabelecido o valor de coorte que separa os grupos de alto risco dos de baixo risco?

Um exemplo (3)

A relação entre o risco de lesão dos isquiotibiais e várias medições de força em 614 jogadores de futebol foi explorada ao longo de quatro épocas, com 190 destes jogadores a sofrerem uma lesão por estiramento dos isquiotibiais. A força excêntrica dos isquiotibiais normalizada ao peso corporal a 60°/s foi independentemente associada ao risco de lesões (razão de probabilidade 1,37 por 1 Nm/kg de diferença). No entanto, como ilustrado na figura 1, mais uma vez existe uma sobreposição substancial entre jogadores lesionados e não lesionados, o que expõe claramente que um teste de rastreio baseado na resistência excêntrica dos isquiotibiais não pode ser utilizado para prever o risco de lesão.

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Medidas estatísticas ainda mais apropriadas, tais como análises da curva característica de funcionamento do recetor revelaram uma área sob a curva de apenas 0,56 (resistência excêntrica dos isquiotibiais), onde um valor de 1,0 indica uma previsão perfeita e 0,5 indica um teste verdadeiramente inútil (não há melhor para identificar os verdadeiros positivos do que atirar uma moeda ao ar).

Mesmo ao interpretar fatores de risco categóricos (tais como histórico anterior de lesão, sim ou não), os resultados ainda são demasiado variáveis para prever lesões, e uma vez que se observa um efeito no grupo sem histórico de lesão anterior, ainda podemos ser tentados a providenciar um programa de prevenção de lesões a toda a equipa.

Pode haver uma relação significativa entre um resultado de teste específico e o risco de lesão, mas isto é insuficiente para utilizar o teste para prever quem está em risco de lesão.

LIMITAÇÕES

  • Foram poucos os programas que tentaram seguir estes passos na determinação de um teste de rastreio ou PHE que ajudará a identificar atletas com elevado risco de lesão, impor uma intervenção, e assim reduzir o número de lesões. Novos modelos de teoria de sistemas dinâmicos e aprendizagem de máquinas podem ajudar-nos a desenvolver algoritmos ou regras de previsão clínica que sejam úteis na identificação dos atletas com elevado risco de lesão.

  • Foi dada uma ênfase renovada ao contexto dos atletas, ao seu ambiente, e a outros fatores importantes que influenciarão o resultado. A natureza complexa das lesões desportivas precisa de ser reconhecida e, mais importante, precisamos de compreender que intervenções são bem-sucedidas para um indivíduo ou para uma equipa, se é que são realmente bem-sucedidas.

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS

Embora estudos prospetivos dos fatores de risco possam demonstrar uma relação altamente significativa entre certos fatores e o risco de lesão (melhorando assim a compreensão dos potenciais fatores causais), é pouco provável que tais testes sejam capazes de prever a lesão com precisão suficiente. Embora a previsão do risco de lesões futuras através de testes de rastreio seja irrealista, um PHE ou um exame prévio (rastreio) pode servir vários outros objetivos (4):

  1. Uma avaliação abrangente do estado de saúde atual do atleta, geralmente, é o ponto de entrada para os cuidados médicos do atleta;

  2. Construir uma aliança terapêutica (boa relação) entre a equipa médica e o atleta;

  3. Rever medicamentos e suplementos para evitar o doping inadvertido;

  4. Estabelecer uma linha de base de desempenho para o atleta no seu estado saudável;

  5. Deveres médico-legais de assistência.

Não se sugere que o rastreio seja desconsiderado no estabelecimento do risco de lesões. Pelo contrário, na forma como podemos abordar a nossa perceção do risco, e como a monitorização regular dos fatores relevantes pode ajudar a melhorar os métodos que aplicamos na interpretação dos resultados, para termos uma maior apreciação do contexto clínico das questões que pretendemos responder.

+REFERÊNCIAS DE ESTUDO

Bahr R (2016) Why screening tests to predict injury do not work—and probably never will…: a critical review. British journal of sports medicine, 50(13), 776-80.

MATERIAL DE APOIO

  1. Meeuwisse WH. Assessing causation in sport injury: a multifactorial model. Clin J Sport Med 1994;4:166–70.
  2. Bahr R, Krosshaug T. Understanding injury mechanisms: a key component of preventing injuries in sport. Br J Sports Med 2005;39:324–9.
  3. Van Dyk N, Bahr R, Whiteley R, Tol JL, Kumar BD, Hamilton B, Farooq A, Witvrouw E. Hamstring and quadriceps isokinetic strength deficits are weak risk factors for hamstring strain injuries: a 4-year cohort study. The American journal of sports medicine. 2016 Jul;44(7):1789-95.
  4. Ljungqvist A, Jenoure P, Engebretsen L, Alonso JM, Bahr R, Clough A, De Bondt G, Dvorak J, Maloley R, Matheson G, Meeuwisse W. The International Olympic Committee (IOC) Consensus Statement on periodic health evaluation of elite athletes March 2009. British journal of sports medicine. 2009 Sep 1;43(9):631-43.