Orientações Clínicas para o Diagnóstico da Dor no Quadril e na Região inguinal em Adolescentes

12 - minutos de leitura Publicado em Anca/Virilha
Escrito por Dr James Noake info

A dor no quadril e na região inguinal em adolescentes desportistas não é normal.

Podemos ser um pouco mais tolerantes com os adultos e aceitar algumas dores ou desconfortos ocasionais. É inevitável que desenvolvamos alterações degenerativas, à medida que envelhecemos. No entanto, as crianças não são “adultos em miniatura” — têm uma fisiologia diferente. E, de forma crucial, são suscetíveis a condições específicas.

Ainda assim, são geralmente resistentes (com que frequência vemos atletas jovens nas clínicas?). Se estão com dor e deixam de desfrutar da prática desportiva, é muito importante prestar atenção e investigar a causa. Este artigo abordará alguns aspetos-chave a ter em conta no diagnóstico em adolescentes.

 

Apófises

As apófises são os “pontos de ancoragem” da unidade músculo-tendão. Os adolescentes desportistas apresentam, cada vez mais, um elevado nível de preparação física, sobretudo em modalidades de contacto, como o râguebi. Na prática, apresentam uma musculatura semelhante à do adulto, capaz de gerar forças significativas sobre um esqueleto ainda imaturo. Esta combinação torna as apófises particularmente vulneráveis a lesões. A cartilagem fisária é estruturalmente mais frágil do que o tendão e o músculo; por isso, o “ponto de ancoragem” pode falhar antes da “corda” (Figura 1).

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Figura 1 – Lesões da “ÂNCORA”

Os atletas jovens raramente sofrem roturas musculares ou desenvolvem tendinopatias, por isso é importante ter cautela ao aplicar esses diagnósticos e questionarmo-nos se não estaremos a negligenciar uma lesão da apófise.

As apófises pélvicas surgem e fundem-se em idades variáveis. Destacam-se a apófise isquiática (origem dos isquiotibiais) e a espinha ilíaca ântero-superior (inserção do Tensor da Fáscia Lata e do Sartório), que por vezes só ossificam completamente no final da adolescência ou mesmo no início dos 20 anos. As apófises púbicas podem fundir-se tão tarde quanto o final dos 20 anos. Consulte a Tabela 1 abaixo e tenha estes fatores em consideração, mesmo quando pensa estar a tratar um adulto.

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Caso Clínico 1

Este é um exemplo deste tipo de situação num futebolista no final da adolescência. Apresentava dor púbica central e dor abdominal inferior, irradiando bilateralmente para a região adutora medial bilateral da região inguinal. As imagens de ressonância magnética axial oblíqua (Figuras 3 e 4) evidenciam apofisite púbica, com edema e ligeira fragmentação das apófises. Embora se trate de um diagnóstico pouco comum, deve ser considerado em pacientes mais jovens que pratiquem desportos com exigência multidirecional, e que apresentem dor na região púbica ou nos adutores da região inguinal.

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Figura 3

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Figura 4

 

Apofisite

A apofisite — sobrecarga da placa de crescimento imatura que leva a microstress e inflamação — pode afetar diversos locais da pélvis (Figura 5 [1]).

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Figura 5

Muitos consideram a apofisite equivalente a uma tendinopatia, mas frequentemente não “aquece” com o exercício, e o adolescente tem dificuldade em manter o desempenho, podendo referir perda de força ou sensação de peso. Talvez tenha, na verdade, mais semelhanças com uma lesão por stress ósseo? Em casos mais severos, os pacientes podem também sentir desconforto em repouso ou durante a noite.

A origem é, quase sempre, um erro de treino, pelo que deve ser explorada em detalhe — vale a pena conversar com os pais sobre a introdução de novas sessões, exercícios ou a participação em escalões etários superiores. Há um novo treinador com uma filosofia de treino diferente?

A apofisite pode provocar padrões de dor variáveis e difusos, o que pode gerar confusão diagnóstica. Estas dores podem mimetizar irradiação da coluna lombar — por exemplo, a apofisite do reto femoral (espinha ilíaca ântero-inferior; EIAI) pode irradiar para além da região inguinal, atingindo a coxa, enquanto a origem dos isquiotibiais (tuberosidade isquiática) pode causar dor que se estende para a nádega, períneo ou face posterior da coxa.

Num jovem atleta em sobrecarga de treino, estas condições podem coexistir, “baralhando” ainda mais o quadro clínico. Abaixo apresenta-se um caso clínico relevante que ilustra esta situação.

Estudo de Caso 2

Futebolista adolescente (meados da adolescência) com dor bilateral na região glútea inferior, origem proximal dos isquiotibiais e região inguinal medial. Esta situação surgiu após o aumento da intensidade do treino, com introdução de novos exercícios de transposição de obstáculo e rotações. A ressonância magnética revelou apofisite bilateral da tuberosidade isquiática (edema da medula óssea assinalado nas figuras 6 e 7) e inflamação na origem dos adutores (não mostrada).

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Figura 6

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Figura 7

Nestes casos com múltiplos locais afetados, devemos também considerar causas reumatológicas. As condições “inflamatórias” afetam crianças tanto quanto adultos!

 

Avulsão Apofisária

As placas de crescimento também podem sofrer lesões agudas – uma fratura por avulsão traumática – normalmente causada por uma contração rápida e explosiva do músculo principal, com a energia transferida para a apófise, ultrapassando a sua “âncora”.

Muitas vezes, o paciente já se queixava de dor antes do evento, devido à apofisite (ou seja, a estrutura já estava vulnerável e o limiar para lesão aguda é mais baixo).

Não será uma rotura muscular, especialmente se estiver próxima da pelve. Não ignore estes casos. Tenha um baixo limiar para solicitar imagiologia; a radiografia é um excelente ponto de partida, cobre a maioria das situações e é facilmente acessível para a maioria dos pacientes.

Estudo de Caso 3

A radiografia (figura 8) e as imagens de ecografia abaixo são de um jovem futebolista adolescente que apresentou um “estalo” agudo e doloroso na região lateral alta do quadril esquerdo ao aterrar de um salto.

Teve dificuldade em suportar peso e abandonou o jogo. O exame revelou incapacidade para realizar agachamento unipodal; carga sobre o Tensor da Fáscia Lata e exercícios oblíquos foram dolorosos; sensibilidade extrema com tumefação ao longo de 8 cm, desde a crista ilíaca até à espinha ilíaca ântero-superior.

As figuras 8 e 9 revelaram avulsão da apófise da crista ilíaca – uma ocorrência rara!!

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Figura 8 – Radiografia da bacia (incidência anteroposterior)

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Figura 9 – Ecografia da crista ilíaca

Abaixo estão 2 exemplos de como lesões por avulsão não diagnosticadas podem causar problemas a longo prazo.

Estudo de Caso 4

O mecanismo da lesão envolveu um pontapé forte no futebol, colocando o reto femoral sob elevada carga, levando à avulsão da EIAI (espinha ilíaca ântero-inferior) (figuras 10 e 11).

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Figura 10 – Radiografia da bacia (incidência anteroposterior)

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Figura 11- Ecografia da espinha ilíaca ântero-inferior (EIAI)

A calcificação heterotópica progressiva da apófise deslocada e da cicatriz (posteriormente demonstrada na tomografia computorizada) conduziu a um conflito femoroacetabular subespinhoso e a uma acentuada perda da função desportiva e da amplitude de movimento.

Estudo de Caso 5

O mecanismo da lesão envolveu um esforço súbito e explosivo de corrida, causando uma avulsão maciça da tuberosidade isquiática, incluindo parte da origem óssea (ver figuras 12 e 13).

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Figura 12

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Figura 13 – Ressonância magnética (RM) coronal do quadril direito

Este caso foi tratado como uma rotura dos isquiotibiais durante aproximadamente um ano. O adolescente acabou por desenvolver dor incapacitante ao sentar-se, interferindo com os estudos, bem como irritação do nervo ciático devido a compressão local. Se tivesse sido identificado precocemente, poderia ter sido tratado cirurgicamente.

 

Tratamento da Apófise

Siga os princípios básicos da reabilitação: reduzir a irritação, aliviar a carga, aumentar progressivamente a carga, melhorar a capacidade funcional, considerar as necessidades específicas do desporto e corrigir défices de força e possíveis erros técnicos. Particularmente nas lesões por avulsão, é prudente evitar alongamentos precoces. É crucial definir prazos realistas e manter comunicação consistente com os pais, a escola e o treinador.

Estes jovens atletas talentosos costumam praticar múltiplos desportos; poderá ser necessário sugerir que o paciente se concentre no desporto favorito a curto ou médio prazo. Em alguns casos, esta mudança pode tornar-se permanente. Ouça o que o jovem atleta deseja – nem sempre coincide com a vontade dos pais! Se o erro de treino não for corrigido, há uma forte probabilidade de frustração devido a lesões recorrentes ou persistentes.

A capacidade de cicatrização do adolescente é extraordinária – respeite a fisiologia e aproveite-a. Não tente “saltar etapas”.

 

Será Outra Coisa?

Nem sempre se trata das apófises.

Esteja atento a condições pediátricas como a doença de Perthes em crianças dos 5 aos 10 anos (ver figura 14 [3]) e a epifisiólise da cabeça femoral em jovens dos 10 aos 15 anos (ver figura 15).

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Figura 14

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Figura 15

Ignorar estes casos pode condenar a criança a uma perda acelerada de função, osteoartrose e até à necessidade de substituição do quadril em idade adulta. É necessária avaliação ortopédica. Mais uma vez, mantenha um baixo limiar para pedir exames de imagiologia.

Apresenta dor medial no joelho? Suspeite do quadril como causa de dor referida. Demora apenas alguns segundos para fazer um rastreio do quadril numa consulta.

Uma decisão fácil e óbvia do ponto de vista médico.

 

Tumores

Esteja atento a tumores primários ósseos e de tecidos moles na metáfise proximal do fémur e na pelve. É uma verdadeira “zona crítica”. Pergunte: têm dor noturna? É independente da atividade? Progressiva? Se sim, radiografia, por favor!

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Figura 16

 

Roturas do Labrum

Embora sejam menos comuns em crianças, são muito mais propensas a causar sintomas. Sabemos como são frequentes incidentalmente na população adulta.

Se suspeitar de uma rotura, deve questionar por que aconteceu. Geralmente é secundária a alterações morfológicas, como o Femoroacetabular Impingement (impacto femoroacetabular) ou a displasia do quadril. Veja o estudo de caso abaixo.

Estudo de Caso 6

Este é um futebolista de 13 anos com aspirações profissionais. Desenvolveu dor aguda na região inguinal esquerda durante uma corrida (após um período prolongado de aumento da intensidade do treino), que não melhorou ao longo de várias semanas. Apresentava previamente dor glútea ligeira, mas controlável, e episódios intermitentes de “cliques”.

A ressonância magnética demonstrou uma rotura do labrum anterior, mas também uma “cobertura insuficiente” lateral do acetábulo. A tomografia computorizada subsequente, com imagens de reconstrução 3D (figuras 17 e 18) – o exame de referência – revelou displasia, principalmente da parede posterior.

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Figura 17 – TC (vista anterior)

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Figura 18 – TC (vista posterior)

 

É fundamental reconhecer a displasia em crianças

Estes pacientes podem ser rotulados como “hipermóveis”, apresentando dor na amplitude final do movimento passivo. Podem queixar-se de dor na região inguinal, na face lateral do quadril ou na região glútea. Os músculos estabilizadores do quadril (hip cuff) estão a trabalhar em excesso para compensar a instabilidade de baixo grau. Evite dar um diagnóstico de forma precipitada rotulando o problema como sendo dos “flexores do quadril” ou dos “glúteos” e tratando-o apenas dessa forma. Se acha que a origem é muscular, reflita melhor sobre o que poderá estar na base da situação.

Crianças com displasia moderada a grave (grau 4) podem beneficiar de cirurgia, como uma osteotomia pélvica, para preservar a articulação. Solicite uma radiografia (figura 19)!

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Figura 19

 

Pais

“O treinador diz que ele(a) tem potencial para chegar longe.”

É importante estar atento à pressão parental. A grande maioria dos pais tem os melhores interesses dos filhos em mente. No entanto, a falta de informação sobre gestão de lesões, o entusiasmo mal direcionado e a motivação vicária podem contribuir para lesões por sobrecarga. Incentivar a prática de múltiplos desportos dentro e fora da escola, sessões extra de técnica ou de força e condição física para dar uma vantagem competitiva à criança pode criar o “cenário perfeito” para o aparecimento de lesões.

Pergunte ao paciente se está a gostar do desporto que pratica. Se possível, tente conversar com ele(a) a sós (por exemplo, no ginásio de reabilitação). Caso contrário, é provável que diga aquilo que acha que os pais querem ouvir.

Se uma lesão em adolescentes for vaga, a história ou o exame clínico forem inconsistentes, os exames de imagem não revelarem alterações e o paciente estiver retraído ou calado durante a consulta, considere que, em casos raros, a “lesão” pode ser uma manifestação física de sofrimento psicológico.

 

Resumo

Este artigo pode ser resumido em 5 pontos essenciais:

  1. As crianças não têm lesões musculares ou tendinosas — pensa em apófises.
  2. Imagiologia precoce — radiografia!
  3. Permaneça atento a sinais de alerta e a patologias pediátricas.
  4. Envolva os pais e observe a sua influência.
  5. As crianças adoram o desporto — é socialmente definidor — se estiverem infelizes, o problema é significativo.

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